Search
Close this search box.
Home » Fique Ligado » Marina se atualiza no tempo de ‘Novas famílias’ sem sombra do passado áureo

Marina se atualiza no tempo de ‘Novas famílias’ sem sombra do passado áureo

marinalima1

Para começar a discorrer sobre o 21º álbum de Marina Lima, Novas famílias (Pomm_elo), é preciso esclarecer que nada soa tão provocativo e fora da ordem pré-estabelecida pela própria artista quanto o funk Só os coxinhas (Marina Lima e Antonio Cicero).
Previamente lançado em single em 23 de fevereiro, antecedendo o álbum que chegou ao mercado fonográfico em 16 de março, Só os coxinhas resultou histórico somente pelo fato de emular o batidão e o linguajar popular do marginalizado funk carioca com a assinatura do imortal Antonio Cicero, com quem Marina reabre parceria interrompida no fim dos anos 2000.
Só os coxinhas polarizou opiniões nas redes sociais e repôs Marina em foco – evidência que não aconteceu com o anterior (e subestimado) álbum de músicas inéditas da artista, Clímax (2011), lançado já há sete anos com safra autoral mais inspirada do que a de Novas famílias, disco que apresenta somente sete músicas inéditas entre as nove faixas.
Capa do álbum ‘Novas famílias’, de Marina Lima
Divulgação / Pomm_elo
Produzido por Marina com Dustan Gallas (polivalente músico da banda cearense Cidadão Instigado), com a colaboração de Arthur Kunz (metade do duo paraense Strobo), o álbum Novas famílias tem o mérito de conectar Marina com uma cena contemporânea, atual, sem repetir fórmulas. Tal conexão soa natural na obra de artista que já veio antenada e moderna ao mundo do disco, em 1979, empunhando uma guitarra na contracapa de álbum em que, entre canções autorais, dava voz a compositoras cariocas como a pioneira Dolores Duran (1930 – 1959) e a então emergente Angela RoRo.
A questão é que a produção de Novas famílias tem mais vigor do que o (bom, mas não excelente) repertório reunido no disco pela artista de ascendência piauiense e vivência cosmopolita, típica de quem se criou entre Estados Unidos e a cidade do Rio de Janeiro (RJ) até migrar em 2010 para a cidade de São Paulo (SP), onde mora até os dias de hoje.
A vivência paulistana da artista pautou Novas famílias como inspirou o antecessor Clímax. Só que a vibe é outra. Clímax abriu o leque de ritmos e de parceiros com certa diluição dos códigos da obra autoral da artista. Nesse sentido, Novas famílias soa mais radical porque procura inserir a velha Marina (ainda jovial, aos 62 anos) em nova ordem musical.
Marina Lima
Divulgação / Rogério Cavalcanti
Para quem admira a assinatura personalíssima da compositora, a música-título Novas famílias (Marina Lima) sobressai no repertório em gravação adornada com o vocal e com toque do piano de Marcelo Jeneci, artista que pavimentou a ponte de Marina com o talentoso Dustan Gallas. Música também composta por Marina sem parceiros, no caso para a trilha sonora do ainda inédito filme Baleia, no qual a cantora também participa como atriz, Árvores alheias se irmana com Novas famílias no topo do ranking da safra autoral apresentada por Marina em 2018. Com letra que propõe o enterro das sombras do passado, Árvores alheias está imersa em ambiência eletrônica – em linguagem com a qual a artista já tem intimidade – e mira o tempo presente, mote do álbum.
Composição apresentada como samba-funk, porém de cadência mais funkeada e inspirada pelo Miami Bass, Juntas é parceria de Marina com o irmão Antonio Cicero que retrata as cores de São Paulo, em especial o entardecer paulistano, em comparação com a paisagem solar do Rio de Janeiro. Feito sem rivalidade, esse confronto pacífico busca irmanar cidades que “juntas só reforçam o Brasil”, como canta Marina com a voz (muito bem colocada) que lhe resta.
E por falar em Brasil, o país é retratado de forma impiedosa (“Pelo fim da fachada / Dessa terra adorada”) em Mãe gentil, parceria de Marina com Arthur Kunz e com Letícia Novaes, coautora da letra corrosiva (escrita com Marina com base em tema instrumental enviado por Kunz) e convidada da faixa eletrônica gravada com as programações de Kunz e Gallas.
Mirando musa “arrogante e irritante”, mas outrora “calorosa e manhosa”, Marina também manda recado na cadência sintética do samba que dita o ritmo gracioso de Climática (Gian Correa e Klébi Nori, 2015), música lançada há três anos pela cantora paulistana Klébi Nori, coautora do samba que soa deslocado no tom de Novas famílias.
Climática mesmo é a balada Do Mercosul. Parceria de Silva com Dustan Gallas, finalizada com o toque pessoal de Marina no Uruguai durante o período de filmagem do longa-metragem Baleia, a canção Do Mercosul extrapola a fronteira brasileira com a intenção de promover a unidade sul-latino-americana com dose poética de amor e sexo e com solo de saxofone em que Leo Gandelman remete intencionalmente à gravação de Preciso dizer que te amo (Dé Palmeira, Cazuza e Bebel Gilberto, 1986) feita por Marina para o álbum Virgem (1987), um dos melhores títulos da discografia da artista.
Marina Lima
Divulgação / Rogério Cavalcanti
Contudo, é no Brasil que Marina alarga o eixo estético do cancioneiro autoral ao gravar É sexy, é gostoso (Marina Lima, Arthur Kunz e Dustan Gallas) com base sintética que evoca o tecnobrega do Pará. Sedutora, a música versa com liberdade sobre a conjunção feliz de amor e sexo, “essa chuva de tesão no peito”. É como se É sexy, é gostoso atualizasse, musical e poeticamente, o discurso quente de Uma noite e 1/2 (Renato Rocket, 1987), hit fugaz de Marina em verão da década de 1980.
Aliás e a propósito, foi nesses anos 1980, década de consolidação da música de Marina Lima, que a artista lançou Pra começar (Marina Lima e Antonio Cicero, 1986), música propagada na abertura da novela Roda de fogo (TV Globo, 1986) em raríssima gravação de estúdio que não entrou no álbum Todas ao vivo (1986) e tampouco no disco com a trilha sonora nacional da novela (ambos apresentaram a gravação ao vivo). Pra começar reaparece no álbum Novas famílias em gravação de estúdio que evoca a pegada roqueira do registro ao vivo de 1986 em tons contemporâneos. A regravação está sintomaticamente alocada como faixa-bônus porque, em Novas famílias, Marina olha para frente, sem se escorar no passado áureo e em “histórias velhas que o tempo levou”. (Cotação: * * * 1/2)

Fonte: G1 Música – Leia a matéria completa.

Leia também

Newsletter

LEIA TAMBÉM