Reapresentado no Theatro Net Rio na última quarta-feira, 7 de março, o show feito por Rita Benneditto com o violonista Jaime Alem, Suburbano coração, já pouco tem a ver com o recital que a cantora maranhense estreou em abril de 2008 na mesma cidade do Rio de Janeiro (RJ) com título quase idêntico, (Sub)Urbano coração. A começar pelo fato de que, há dez anos, a intérprete ainda adotava o nome artístico de Rita Ribeiro. Mas já fazia sucesso com o show Tecnomacumba – projeto que já completa 15 anos em 2018 – quando idealizou aquele recital de canções em duo com o violonista João Gaspar.
Dez anos depois, Rita continua em cartaz com Tecnomacumba, mas o nome artístico da cantora, o violonista e a maior parte do repertório já são outros. Virtuoso do violão e das violas, o paulista Jaime Alem é o atento condutor de Rita em roteiro que passa por vários (re)cantos do Brasil em rota nunca óbvia.
A cantora Rita Benneditto no show ‘Suburbano coração’
Divulgação / Alexandre Moreira
Embora possa ser considerado show cool na comparação com o fervente caldeirão afro-brasileiro de Tecnomacumba, Suburbano coração se aquece com o canto límpido e expressivo de Rita Benneditto, uma das mais belas e afinadas vozes do Brasil, como fica claro ao longo do show, sobretudo nas interpretações de canções como Hoje (Taiguara, 1969), Foi Deus que fez você (Luiz Ramalho, 1980) e Super-homem, a canção (Gilberto Gil, 1979).
Contudo, a força do show vem justamente do fato de Rita Benneditto jamais se escorar na empatia de canções mais populares e digeríveis. Tanto que a cantora abre o show batendo o tambor no toque indígena de Credo (Marlui Miranda a partir de tema da tribo Urubu-Kaapor, 1997) e, na sequência, voa alto na poesia de As asas (Chico César, 1996). Já aí, neste começo, a artista sinaliza que a urbanidade do coração da cantora rima com brasilidade.
Rita vem do Maranhão, longe demais das capitais que tentam ditar modas, músicas e costumes para todo o Brasil. Pela bagagem cultural que trouxe ao migrar para o sudeste do Brasil, a cantora consegue alinhar no roteiro composições inusuais como O conforto dos teus braços (João Linhares, 2001) – gravada pela própria Rita há 17 anos no terceiro álbum, Comigo (2001) – e No tempo dos quintais (Sivuca e Paulinho Tapajós, 1979), retrato nostálgico de tempos mais românticos.
Se o samba Meu lugar (Arlindo Cruz e Mauro Diniz, 2006) soa deslocado na rota particular da artista, O sal da terra (Beto Guedes e Ronaldo Bastos, 1981) realça o tempero humanista do show em roteiro que alterna canções mais melódicas com temas de maior vivacidade rítmica como o espevitado Na cabecinha da Dora (Antônio Vieira e Pedro Giusti, 2001) e o dengoso Tem quem queira (Antônio Vieira, 1997), sambas de brejeiro tom maranhense.
O violonista Jaime Alem e Rita Benneditto no show ‘Suburbano coração’
Divulgação / Alexandre Moreira
Músico que simboliza porto seguro para a cantora transitar pela urbanidade plural de um Brasil de dimensões continentais, Jaime Alem é o maestro das cordas que sobressai no solo erudito de Sonata agreste (2010), tema instrumental e autoral do artista, também compositor de Feliz com meu bem (2010) – canção romântica cujo canto é dividido por Rita com o próprio Alem – e letrista de O que fomos nós, inédita versão em português da canção The way we were (Marvin Hamlisch, Marilyn Bergman e Alan Bergman, 1973), sucesso da cantora norte-americana Barbra Streisand.
Como o conceito do show já resulta elástico ao longo desses dez anos, o elo mais forte é mesmo a voz de Rita Benneditto, intérprete hábil tanto nas canções urbanas, como a contundente Maiúsculo (Sergio Sampaio, 2006) e a tristonha Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1970), quanto nos temas afro-brasileiros de raiz mais ancestral, caso de Deixa a gira girar (Mateus Aleluia, Dadinho e Heraldo Bozas, 1973).
O violonista Jaime Alem e Rita Benneditto no show ‘Suburbano coração’
Divulgação / Alexandre Moreira
Seja tocando o tambor em Canto de luz (João Pereira Godão, 2005), herança do roteiro do show anterior Encanto (2015), seja baixando o santo ao improvisar versos sobre o presidente Michel Temer no tradicional ponto de umbanda Casca de coco no terreiro (“Vovó não quer casca de coco no terreiro / Que é para não levar o povo pro cativeiro / Vovó não quer o Michel Temer no governo / Que é pra não levar o povo pro cativeiro”), Rita Bennedito irradia brasilidade no pulso firme de Suburbano coração, humanista show com Jaime Alem. (Cotação: * * * *)
Fonte: G1 Música – Leia a matéria completa.