Search
Close this search box.
Home » Vale do Aço Online » Decisão do STF sobre maconha traz ‘norte interpretativo’, mas deixa lacunas, analisa especialista

Decisão do STF sobre maconha traz ‘norte interpretativo’, mas deixa lacunas, analisa especialista

Decisão do STF sobre maconha traz ‘norte interpretativo’, mas deixa lacunas, analisa especialista

BRASÍLIA. O julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal no Supremo Tribunal Federal (STF) não esgotou o debate sobre o assunto. A análise política sobre o tema deve ser retomada na Câmara dos Deputados nos próximos dias com o início dos trabalhos de uma comissão especial.

O grupo irá se debruçar sobre uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de drogas em qualquer quantidade. O texto prevê a diferenciação entre usuário e traficante, mas sem definir quantidade e prevendo apenas a observação “por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto”.

A PEC já foi aprovada pelo Senado e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Isso significa que, se passar pela comissão especial e depois pelo plenário da Câmara sem modificações, poderá ser promulgada e as regras começarem a valer.

Por outro lado, a Suprema Corte entendeu que será considerado usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas. Ou seja, o porte de maconha não é crime e deve ser caracterizado como infração administrativa, sem consequências penais.

Dessa forma, não deve haver o registro na ficha de antecedentes criminais do usuário e as sanções aplicáveis seriam advertência sobre os efeitos da maconha e comparecimento a programa ou curso educativo. A decisão, porém, não legaliza o consumo. A maconha continua sendo substância ilícita no Brasil.

No Parlamento, o debate tem força na ala que discorda que o porte de maconha para consumo próprio não pode ser considerado crime. É o caso, por exemplo, do presidente do Congresso e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é o autor da PEC e defende a criminalização em qualquer circunstância.

Mas como interpretar na prática a decisão do STF?

O advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal Rafael Paiva explica que, mesmo com a decisão do STF, a quantidade de maconha encontrada com alguém não será o único critério analisado para diferenciar traficante de usuário. De acordo com ele, o que irá prevalecer será a análise judicial do caso.

Ele lembra a Lei de Drogas, existente desde 2006, que prevê como punição a advertência sobre os efeitos das drogas, a prestação de serviços à comunidade e medida educativa para quem estiver com substâncias ilícitas para consumo próprio. Não há menção a qualquer quantidade, e sim à circunstância.

“Até porque quantidade é só um elemento para aferição se é tráfico ou porte pessoal. O que acontece na prática? Quanto mais quantidade, mais encaminha para o tráfico”, diz.

“Mas o delegado e o juiz vão analisar outras coisas também, como o local de apreensão da droga. Então se for dentro de uma boca de fumo, é mais passível de ser caracterizado como tráfico. Os objetos apreendidos com o investigado, como balança de precisão, saquinhos, dinheiro trocado, o que começa a ser muito mais levado para o tráfico do que para o porte”, explica.

O entendimento do STF, na visão dele, trouxe apenas um indicativo de que “acima de 40g é mais propenso para o tráfico, e abaixo de 40g é mais propenso para o porte pessoal”.

“Eu entendo que se tivesse uma lei que dissesse que até 40g não é tráfico, aí é um critério objetivo que tem que ser seguido pelo juiz. O que o STF trouxe é um norte interpretativo”, diz, reforçando que, ainda assim, a diferenciação seguirá critérios subjetivos. “Haverá situações em que o indivíduo vai ser pego com mais de 40g e vai ser porte, e situações em que o indivíduo vai ser pego com menos de 40g e vai ser tráfico, porque vai depender da análise de outros fatores”.

“Vai ser mais difícil? Sim. Porque agora um desses elementos está muito mais forte, que é a quantidade. Mas por si só ela não resolve a questão. Ela é um elemento forte que com certeza vai influenciar judicialmente em todo o país”, diz.

Decisão do STF não se aplica a outras drogas 

Paiva ressalta que a decisão do STF abrange apenas o consumo próprio de maconha. “Para o porte de outras drogas, como cocaína, êxtase, crack, continua a mesma regra do artigo 33 da Lei de Drogas. Continua sendo crime portar esse tipo de droga”.

“Mas é crime pero no mucho”, acrescenta, justificando a ausência de pena. “Porque desde 2006, houve uma despenalização, o que é diferente de descriminalizar. Ou seja, a conduta era considerada criminosa, só que sem pena. Então desde 2006, ninguém mais que é autuado como porte é preso. Isso já é estabelecido. Já há jurisprudência consolidada de que não gera nem reincidência”, observa.

Com o entendimento do STF, ele vê lacunas que precisam ser esclarecidas, como por exemplo o trâmite da aplicação de multa como sanção administrativa. “Quem vai aplicar essa multa? Ninguém sabe. Antes tinha o processo criminal e o juiz aplicava a multa. Agora, como não é mais crime, não pode mais ter inquérito e processo sobre isso. Então não tem como o juiz aplicar a multa”.

“Quem vai aplicar [a multa]? A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]? A prefeitura? Não sabemos. Ficou realmente uma lacuna. O STF quis resolver um problema e criou trocentos outros, na verdade”, acusa.

Se a PEC for aprovada, será preciso mudar a lei para criar pena, diz especialista

Paiva comenta que essa análise subjetiva será feita por um juiz mesmo se a PEC for aprovada da forma como está o debate no Congresso, considerando a quantidade de 40g “como um critério importante para definir o que é porte e o que tráfico”.

Ainda assim, será preciso mudar a legislação para estabelecer uma pena, pois constar apenas na Constituição Federal, apesar de estar acima da lei, pode criar entendimentos contraditórios.

“O legislador vai criar a PEC e dizer que é crime portar drogas. Mas é crime com base em que? Aí eu entendo que vai precisar ser feita uma mudança na Lei de Drogas para estabelecer uma pena para o crime de porte. Uma pena criminal mesmo, como detenção. Porque se não colocar pena, vai entrar na mesma discussão”.

“O STF vai falar que tem uma PEC dizendo que é crime, mas não existe crime sem pena. É princípio básico do Direito. Como não tem pena no artigo 33 da Lei de Drogas, continua não sendo crime. […] É coisa de maluco mesmo. É tudo mal feito. O Congresso faz um trabalho mal feito, o STF vai lá e faz um trabalho mal feito. O Congresso quer refazer um trabalho mal feito de novo. Aí fica tudo mal feito”, finaliza.

Confira a matéria completa em: zug.net.br

Leia também

Newsletter

LEIA TAMBÉM