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Guarda Civil Municipal de Ipatinga

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07 de junho, de 2024 | 14:04

Guarda Civil Municipal de Ipatinga

Marco Túlio Dias *

“Se não fosse o crime, muita gente morria de fome, o vagabundo é quem garante o pagamento dos homens”. Essa emblemática frase é de uma das canções de Dicró, sendo ele um dos mais importantes sambistas do país. Em “Cabine de emprego”, ele descreve como o sistema de segurança pública brasileiro contribui para um contínuo e vicioso processo de irresolução e mortandade daqueles que não são favorecidos neste país. Afinal, enquanto houver crime, haverá concursos; haverá licitações para a compra de armas, carros, uniformes; haverá a construção de presídios, não é mesmo?

O ponto crucial destas reflexões parte de um fato histórico: a materialização e o início das atividades da 1ª turma de guardas municipais da cidade de Ipatinga. A guarda foi consolidada recentemente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como integrantes do Sistema de Segurança Pública e a cidade se soma a um incessante e preocupante fenômeno que vem ocorrendo nas cidades brasileiras: a formação de suas próprias polícias subordinadas apenas ao prefeito local e insubmissas a qualquer controle correcional externo, dotadas de armamento de alto poder letal, num panorama de diminuição do número de policiais militares em 6,8% de 2013 a 2023. Não é preciso estar guarnecido de profunda carga intelectual para desvendar o potencial caótico que tudo isso, num país marcado pelo sumo do racismo e suas mazelas estruturais e culturais, pode causar. Na cidade de Ipatinga, de maneira específica, destaca-se que, lamentavelmente, o empossamento e a materialização das atividades da guarda municipal seguem um rito histórico e cultural ao qual a cidade foi criada e estruturalmente condicionada.

Emancipada em abril de 1964, Ipatinga nasce sob uma perspectiva de município modelo da longa noite de ditadura militar que o Brasil vivenciou de 1964 a 1985. Como exemplo disso, está o próprio massacre de trabalhadores que exigiam melhores condições de vida no dia 7 de outubro de 1963, mostrando que naquele momento, a maior indústria siderúrgica de aços planos da América Latina enviava um concreto recado de amordaçamento e dominação das áreas do conhecimento humano, especialmente no mundo do trabalho e da educação, para todos os trabalhadores da América Latina que de alguma forma decidissem se insurgir.

Além disso, é importante destacar que a temática da segurança pública no Brasil é sensível e mexe com o imaginário e a realidade social, num país intrinsecamente violento, e isso é sempre explorado por políticos de extrema direita, sobretudo em ano eleitoral.

“Enquanto houver crime, haverá concursos, haverá licitações para a compra de armas, carros, uniformes e construção de presídios”

O processo formativo e de trabalho posterior da guarda municipal de Ipatinga é amplamente divulgado no Instagram do chefe do poder Executivo municipal, municiando a população, em ano de eleições políticas, com um falacioso projeto de segurança pública que não aborda as raízes da disfunção da insegurança pública em Ipatinga, é um novo que já nasce velho, como canta O Rappa.

Conforme decisão do ministro do STF, Luiz Edson Fachin, os GCMs não estão autorizados a abordar e revistar pessoas, uma vez que sua competência está atrelada à proteção de bens e serviços municipais, e não ao policiamento ostensivo ou investigativo desvinculado dessa atribuição.

Todavia, é necessário frisar que numa cidade marcada pela seiva da opressão conservadora e estatal, suas forças de segurança, instrumentalizadas para a consecução dos interesses políticos e históricos daqueles que dominam os altos cargos públicos e empresariais, assim permanecerão fazendo.

É preciso criticar, é preciso se opor. Diante disso, destaco que estas reflexões não buscam oferecer respostas, mas sim questionamentos. A discussão sobre a problemática da segurança pública brasileira abrange diversos setores, não se restringindo apenas ao Ministério da Justiça e às secretarias municipais de segurança.

No entanto, ressalto que até o momento destas escritas, a cidade de Ipatinga registrou a triste marca de 29 homicídios, e entre as vítimas, predominantemente jovens, negros e pobres. Quais políticas públicas a administração municipal implementou nos últimos quatro anos para combater os assassinatos em série?

“A temática da segurança pública no Brasil é sensível e mexe com o imaginário e a realidade social, num país intrinsecamente violento”

Sem dúvida, a instrumentalização e midiatização da guarda civil municipal para fins eleitorais não é uma delas e de longe não resolve nem ameniza o problema social. Em uma análise conclusiva, a administração municipal realizou, sob uma parte dela e em azul (a cor da guarda), a pintura de todos os pilares que sustentam o ginásio poliesportivo do Veneza II, também conhecido como Campo do Bigode, tudo isso para a cerimônia de formatura da guarda municipal, que ocorreu dia 12 de abril.

Diante do exposto, com o dinheiro público gasto com as diversas latas de tinta, questiono quantas caixas de som e quantos microfones poderiam ter sido comprados com este valor e distribuídos para as Batalhas da V.I (no ideal), da Arena (no Parque Ipanema) e da 3M (na pista de skate do ideal), movimentos de batalhas de MCs que se desenrolam no Vale do Aço e que, consequentemente, salvam muitas vidas da criminalidade, construindo nas pessoas participantes perspectivas de vida próspera no futuro. Quantas?

Por fim, como canta o sambista que inicia estas reflexões: eu não faço apologia, mas infelizmente essa é a verdade. É preciso ter coragem, é preciso denunciar.

* Graduado em Direito, cofundador do Coletivo Negro Vale do Aço, artista, fotógrafo e intelectual do Movimento Negro. Seus trabalhos podem ser acompanhados pelo instagram _negromar e @coletivonegrovda

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço

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Confira a matéria completa em: www.diariodoaco.com.br

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