A menos de dois meses para que o teor de biodiesel incorporado ao diesel no Brasil aumente de 14% para 15%, cerca de 6% do mercado ainda opera fora da legalidade, entregando aos postos, para venda ao consumidor, um produto fora dos padrões atuais definidos pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). A fraude gera um prejuízo de R$ 0,37 por litro comercializado para as distribuidoras que seguem as especificações técnicas.
Paralelamente à ação irregular, o país enfrenta dificuldades na fiscalização, agravadas pelas restrições orçamentárias dos últimos anos e pela carência de mão de obra na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O aumento no teor de biodiesel já havia sido implementado em março do ano passado, quando o índice subiu de 12% para 14%. O próximo aumento entrará em vigor no dia 1º de março deste ano.
Os estados que lideram as irregularidades, conforme levantamento do Instituto Combustível Legal (ICL), são Alagoas, São Paulo, Bahia e Amapá. Em Alagoas, por exemplo, 20,8% das amostras de diesel coletadas pela ANP apresentaram índices de biodiesel abaixo de 14%. Na Bahia, onde 10% das amostras avaliadas em outubro de 2024 estavam fora da conformidade, o índice de incorporação de biodiesel no óleo chegou a ser de apenas 12,9%.
O presidente do ICL, Emerson Kapaz, denunciou que o cenário representa uma desvantagem na competitividade entre as distribuidoras. Segundo ele, em alguns casos, não há nenhum percentual do biocombustível adicionado. Esse panorama é observado com maior frequência nos estados do Norte e Nordeste, onde o nível de importação de diesel é mais alto. “Sem fazer a mistura do biodiesel, há um ganho diferencial muito grande de competitividade. Os fraudadores têm a seu favor a dificuldade de comprovação imediata de que o diesel não recebeu a mistura do biodiesel”, pontuou.
O processo de verificação no Brasil é feito por laboratórios químicos, contratados pela ANP, que coletam amostras do produto nos postos. Os resultados constam nos boletins do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis da agência. “Os testes levam um certo tempo para ficarem prontos. Nós defendemos que essas avaliações sejam realizadas por meio de testes rápidos, porque, se o fraudador sabe que não haverá comprovação imediata, ele se sentirá mais encorajado a exagerar ainda mais”, complementou Kapaz.
O Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Estado de Minas Gerais (Minaspetro) afirmou que a entrega de combustível fora das conformidades preocupa o setor responsável pela revenda. “Além disso, algumas especificações necessitam de testes mais complexos, que os postos não têm capacidade técnica para realizar. Apenas um laboratório químico especializado pode fazê-los. A única maneira de os empresários se resguardarem de possíveis problemas de qualidade é armazenando a amostra-testemunha, coletada no momento do descarregamento do caminhão no posto”, explicou.
O Minaspetro ainda destacou que a situação não causa prejuízos ao consumidor. “A mistura com um menor índice representa um diesel mais puro e menos prejudicial ao motor do veículo”, acrescentou a entidade. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o teor de 14% de biodiesel aplicado ao diesel evita a emissão de cinco milhões de toneladas de CO² na atmosfera. Por outro lado, o Ministério de Minas e Energia calcula que, com esse índice, o Brasil garante uma economia significativa ao deixar de importar dois bilhões de litros de diesel.
Prejuízo financeiro
Os cálculos do Instituto Combustível Legal indicam que as distribuidoras que incorporam o percentual de 14% enfrentam uma desvantagem mínima de R$ 0,37 por litro de diesel vendido, devido ao maior custo para realizar a mistura do biodiesel. O biocombustível encerrou 2024 no Brasil a um custo de R$ 6,32 por litro. Norte e Nordeste são as regiões com os preços mais altos, de acordo com dados da ANP.
Para Emerson Kapaz, do ICL, as irregularidades estão relacionadas à presença de agentes do crime organizado no mercado de combustíveis. No ano passado, O TEMPO noticiou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) teria o controle de mais de 900 postos no país e que o grupo também estaria à frente de distribuidoras. “Não tenho dúvidas de que o crime organizado se aproveita dessa situação. Onde for possível obter margem de lucro por meio de adulteração ou sonegação, haverá incentivo para a atuação do crime organizado”, criticou o presidente do ICL.
Fiscalização aquém
Outra denúncia de interlocutores do mercado diz respeito à fiscalização realizada pela ANP. Em outubro do ano passado, a agência informou que precisou paralisar o monitoramento da qualidade dos combustíveis no país, em função de cortes orçamentários promovidos pelo governo. A situação foi normalizada em janeiro.
De acordo com o órgão, quando é identificado diesel com teor de biodiesel incorreto, o agente econômico é autuado e responde a um processo administrativo. Ao final do processo, em caso de condenação, o agente está sujeito às penalidades previstas em lei, como multas que podem chegar a R$ 5 milhões, suspensão ou até revogação da autorização.
Na fiscalização das distribuidoras, segundo a ANP, a coleta de amostras para verificação do teor de biodiesel ocorre no produto final, pronto para ser enviado aos postos. “Quando identificada irregularidade nesta fase, o próprio distribuidor responde pela não conformidade”, informou a agência.
Para garantir que o percentual de biodiesel seja cumprido, a ANP afirmou que tem intensificado as fiscalizações nas distribuidoras e nos postos. No entanto, a agência confirmou dificuldades para a execução do trabalho devido à redução orçamentária. A receita para despesas da ANP caiu de R$ 717 milhões em 2013 para R$ 130 milhões em 2024, uma redução de 82%
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