Por unanimidade, a 4ª Turma do TRF6 negou as apelações dos réus e manteve a íntegra da sentença de primeira instância. O julgamento ocorreu nesta terça-feira (8), na sede do TRF6, em Belo Horizonte. Vestígios do reformatório indígena em Resplendor
Fred Bottrel/TV Globo
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) manteve a sentença que condenou a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Estado de Minas Gerais por violações dos direitos humanos e civis do povo indígena Krenak – que vive na Região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais – durante a ditadura militar. A Ação Civil Pública é movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
Por unanimidade, a 4ª Turma do TRF6 negou as apelações dos réus e manteve a íntegra da sentença de primeira instância. O julgamento ocorreu nesta terça-feira (8), na sede do TRF6, em Belo Horizonte. A decisão ainda cabe recurso aos tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
A sentença já havia determinado uma série de medidas, como a demarcação do território tradicional, ações de preservação da cultura e língua Krenak, reparação ambiental e a realização de uma cerimônia pública de reconhecimento e pedido de desculpas (veja mais abaixo).
Além da União, Funai e Estado de Minas Gerais, a ação também busca responsabilizar o servidor público Manoel dos Santos Pinheiro — conhecido como Capitão Pinheiro —, responsável pelo Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um presídio que chegou a abrigar 94 pessoas de 15 etnias, vindas de 11 estados brasileiros.
A reportagem aguarda retornos da União, Funai e Estado de Minas Gerais.
Em setembro de 2021, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a 14ª Vara Federal Cível ordenou:
União, Funai e estado a realizar, em até seis meses, cerimônia para reconhecer as violações de direitos dos povos indígenas seguida de pedido público de desculpas ao povo Krenak, com divulgação nos meios de comunicação e canais oficiais;
a Funai a concluir o processo administrativo de identificação de delimitação da terra indígena Krenak de Sete Salões, considerada sagrada para os indígenas, no prazo de seis meses, e a estabelecer ações de reparação ambiental das terras degradas pertencentes aos Krenak;
Funai e o estado de Minas a implementar, com participação do povo Krenak, ações voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak por meio do Programa de Educação Escolar Indígena;
a União a reunir e disponibilizar na internet, em até seis meses, toda a documentação relativa às violações dos direitos humanos dos povos indígenas, para livre acesso do público.
História
Em 1972, homens, mulheres e crianças foram expulsos de suas terras pelo governo e obrigados a viver confinados na Fazenda Guarani, pertencente à Polícia Militar (PM), em Carmésia, a mais de 300 quilômetros de distância de suas terras. A medida foi tomada para facilitar a ação de posseiros vizinhos que tomaram os mais de 4 mil hectares dos indígenas.
“Era um campo de concentração. Famílias inteiras ficaram confinadas, presas mesmo, por anos nesta fazenda”, disse, à época, o procurador da República Edmundo Antônio Dias, responsável pelo inquérito civil que resultou no ajuizamento da ação civil pública
Outra violação apontada no processo foi a criação da Guarda Rural Indígena, composta por pessoas das aldeias que vigiavam e puniam os presos.
A primeira turma foi treinada pela Polícia Militar de Minas Gerais e era composta por 84 indígenas de diferentes etnias e regiões do país, entre elas Craós (Maranhão), Xerente (Goiás), Carajás (Pará), Maxacali (Minas Gerais) e Gaviões (Tocantins). A medida causou desagregação dentro do grupo, ferindo a cultura e o espírito de irmandade entre os povos.
A única foto que documenta uma cena de tortura durante a ditadura militar é de um indígena em um pau-de-arara sendo “exibido” em Belo Horizonte, na presença de autoridades como secretários de estado (veja foto abaixo). O evento era a formatura da 1ª turma da Guarda Rural Indígena.
Indígena em pau-de-arara é exposto a autoridades em Belo Horizonte
Comissão da Verdade/Reprodução
Reconhecimento de violações
De acordo com as investigações do MPF, diversas arbitrariedades foram praticadas contra os povos indígenas em Minas Geris durante a ditadura militar. Entenda as violações aos direitos praticadas ao longo dos anos:
▶️ Em 1969, em Resplendor, na Região do Rio Doce, a Polícia Militar e a Funai instalaram o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, na área do Posto Indígena Guido Marlière, onde viviam os Krenak, para o confinamento de indígenas classificados como “perturbadores da ordem tribal”.
▶️ Eles chegavam ao reformatório, uma espécie de presídio, sem uma “pena” definida, de forma que o tempo de permanência dependia do responsável pelo estabelecimento, Manoel dos Santos Pinheiro, conhecido como Capitão Pinheiro, que também é réu na ação.
▶️ Não havia julgamento. A tortura era comum, e os indígenas eram obrigados a fazer trabalhos forçados.
▶️ O local abrigou, até 1972, indígenas de mais de 15 etnias levados de vários estados do Brasil pela Guarda Rural Indígena. Os Krenak passaram também à condição de detidos.
▶️ A primeira turma da Guarda Rural Indígena, também criada em 1969, foi treinada pela PM e era composta por 84 indígenas de diferentes etnias e regiões do país. Eram indígenas punindo e vigiando outros, o que causou desagregação e estimulou conflitos entre eles.
▶️Em 1972, os indígenas que viviam no reformatório foram compulsoriamente transferidos para uma fazenda localizada na cidade de Carmésia, também na Região do Rio Doce, a Fazenda Guarani. Os Krenak, portanto, foram expulsos de suas terras e obrigados a viver a mais de 300 km de distância, em uma espécie de campo de concentração.
▶️ Grande parte das terras antes ocupadas pelos indígenas em Resplendor foi distribuída a posseiros.
▶️ Em 1993, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou nulas as transferências das terras habitadas pelo povo Krenak aos posseiros. Os indígenas recuperaram parte do território, mas a área de Sete Salões ficou de fora.
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