Nicola se declara ao Brasil, revela bastidores do Minas e cita prioridade: ‘Espero voltar um dia’

O pequeno Nicola Negro que assistia, maravilhado, Itlia vencer o Brasil e conquistar o primeiro Campeonato Mundial Masculino de Vlei em pleno Maracanzinho, no Rio de Janeiro, em 1990, talvez no imaginasse que, trs dcadas depois, tornaria-se o tcnico mais campeo na histria de um dos maiores clubes brasileiros: o Minas Tnis Clube.

Em entrevista exclusiva ao No Ataque, o italiano se declarou ao Brasil e a Belo Horizonte, relembrou seu incio no esporte, repassou momentos marcantes como minas-tenista e revelou os bastidores da dura deciso de deixar a equipe aps seis vitoriosos anos, com 25 finais alcanadas e 13 ttulos conquistados – entre eles, trs Superligas (2020/2021, 2021/2022 e 2023/2024).

Nicola brinca que estava destinado a vir para o Brasil. Quando criana, ele se apaixonou primeiramente pela bola de futebol. Mas o fascnio pelo vlei veio ainda cedo, aos 10 anos, justamente com o Mundial vencido pela Itlia em terras tupiniquins.

“O Brasil, na verdade, estava no meu destino, porque eu, quando criana, como todos os meninos na Itlia e no Brasil, comecei a chutar a bola, jogar futebol. Mas depois houve o brilho com o voleibol, quando eu tinha 10 anos, jogado o Mundial no Brasil e Itlia ganha, pela primeira vez. Era 1990, lembro como se fosse agora eu colado na frente da TV a ver a Itlia que triunfava no Maracanzinho. E a partir da o voleibol sempre foi presente na minha vida. Comecei a jogar voleibol, joguei a base na Itlia.”

Nicola Negro

Rapidamente, no entanto, ele desistiu da vida de atleta. Quando comeou a jogar, ainda no existia a posio de lbero, normalmente ocupada por atletas baixos. Portanto, Nicola, que tem “apenas” 1,79m jogava de ponteiro. A estatura era, naturalmente, um impeditivo para que ele prosperasse no esporte.

“Tendo 1,79m, no tinha perspectiva. Eu era ponteiro e depois joguei como lbero nas ltimas duas temporadas. Antes a posio de lbero no existia. Eu era um ponteiro que saltava, mas claramente muito limitado fisicamente. No tendo possibilidade e chance de chegar ao alto nvel como jogador, preferi no perder tempo e comecei a treinar com 19 anos. Depois, virou a minha profisso”, contou.

A chegada ao Minas

Nicola chegou ao Minas com 39 anos de vida e quase 20 na beira da quadra. Da temporada 2003/2004 at 2012/2013, ele foi auxiliar tcnico de diversos times da Itlia, alm da Seleo da Turquia e de equipes da Polnia e do Azerbaijo.

A primeira experincia como treinador principal foi em 2013/2014, no MKS Dbrowa Grnicza, da Polnia. Nas temporadas seguintes, passou por Conegliano, da Itlia; Wroclaw, da Polnia; Calcit, da Eslovquia; CSM Bucureti, da Romnia; e Trentino, da Itlia; at chegar a Belo Horizonte para a temporada 2019/2020.

Nicola considera que sua vasta e cosmopolita trajetria ajudou para que no houvesse grandes dificuldades de adaptao ao Minas: “Eu j chegava de muitas experincias internacionais, trabalhei em vrias latitudes, Polnia, Turquia, Azerbaijo, Romnia…no teve o impacto de uma primeira experincia fora da Itlia”.

Do lado do Minas, Negro tambm cr que no houve grandes dificuldades, j que a equipe “vinha de dois anos sendo treinada por Stefano Lavarini”, assim, j estava “acostumada a trabalhar com um treinador italiano, de abordagem parecida”. Lavarini tambm havia tido sucesso no clube, com quatro ttulos conquistados (Superliga de 2018/2019, Copa Brasil de 2019 e Sul-Americanos de 207/2018 e 2018/2019, alm do vice-campeonato do Mundial de 2018/2019).

Nicola aproveitou para desmentir o boato de que ele teria sido indicado por Lavarini: “No foi assim. Lavarini decidiu sair para voltar para Itlia e treinar o Busto Arsizio alm de assumir a Seleo da Coreia do Sul, e o Minas, satisfeito com os dois anos de trabalho dele, buscou no mercado um perfil parecido. A, a minha agncia, que a mesma do Stefano, me indicou para o clube. Imediatamente, liguei para Stefano e perguntei sobre a estrutura do Minas, o time, vrias coisas. Nos conhecemos muito bem”.

Momentos marcantes no Minas

Nicola considera que a temporada em que a equipe jogou o “melhor vlei” sob seu comando foi em 2020/2021: “A gente esquece, infelizmente, porque foi um ano atpico, sem pblico devido pandemia, mas foi o momento em que o Minas jogou o melhor vlei. Terminamos a fase inicial da Superliga na liderana com 63 pontos, 21 vitrias e s uma derrota. Perdemos s nove sets”.

Para o tcnico, a atleta que possibilitou que o time atingisse tal nvel foi a levantadora Macris, hoje no Praia Clube. Ela foi eleita a melhor jogadora daquela edio da Superliga, que foi vencida pelo Minas: “Jogamos um grande playoff e apresentamos um vlei muito bom. Nunca chegamos a um nvel de jogo como nesta temporada. Infelizmente o pblico s viu na TV, no ao vivo. E Macris foi a artista de tudo isso”.

Perguntado sobre o momento mais marcante nos seis anos de Minas, Nicola voltou a citar a temporada 2020/2021: “A primeira Superliga a primeira Superliga”. Ele tambm citou a ltima liga nacional conquistada, de 2023/2024, fazendo um contraponto: “Em 2021, ganhamos com 21 vitrias e uma derrota na temporada regular e um grande playoff. No ano passado, ganhamos a Superliga perdendo sete jogos na temporada regular, ningum acreditava em ns”.

“Jogamos um playoff incrvel, a final em Recife foi ‘OK’, mas a semifinal com o Osasco foi de um nvel maior. Ano passado foi o ttulo da resilincia, da volta por cima. Por trs de cada ttulo h muita coisa”, finalizou.

Fama de ‘bad boy’?

Perguntado sobre seu perfil enrgico na beira da quadra que talvez seja visto como “destemperado e provocativo aos rivais, Nicola explicou: “Em quadra eu sou bastante natural. No comeo, houve alguns episdios, depois se criou uma certa narrativa de ‘bad boy’. E a joguei muito com isso depois: ‘Est bom, me querem assim? Perfeito’. Mas o importante o foco no nosso trabalho, o resto contorno de cinema”.

A relao de Nicola com a torcida do Minas passou por algumas turbulncias ao longo dos ltimos seis anos. Em janeiro de 2025, por exemplo, em entrevista exclusiva ao No Ataque, ele criticou efusivamente atitude dos adeptos na vitria por 3 sets a 2 sobre o Fluminense, pelas quartas de final da Copa Brasil. Na ocasio, houve aplausos irnicos durante as sadas da levantadora Jenna Gray e da lbero Kika, como uma forma de criticar as atuaes delas na partida.

“A minha relao com a torcida no foi sempre simples e fcil. Pelo contrrio, houve vrios momentos de tenso nas temporadas passadas. um problema tambm, o torcedor de verdade apoia o time sobretudo nos momentos de dificuldade. fcil chegar em abril e celebrar conosco o ttulo quando ganhamos. Mas no processo que se v o verdadeiro torcedor, que fica ao lado do time e percebe quando o time est em dificuldade e precisa do apoio.”

Nicola Negro, reportagem

“Existe um reconhecimento pelo meu trabalho, pelos resultados. Mas, no fim, Nicola sai, o que conta a camisa do Minas, o Minas fica. o mesmo discurso que tambm utilizado para as jogadoras. Vrias vezes o torcedor apaixonado por uma jogadora, a a sua dola sai e, como consequncia, o torcedor passa a ser crtico ou a ir contra o time. Nicola passa, Carol (Gattaz) passa, o que conta o Minas. O torcedor do Minas tem que apoiar o Minas, sabendo que pode ser que continuem os triunfos ou pode ser que cheguem momentos de dificuldade, temporadas sem trofus”, prosseguiu.

A minha postura forte em alguns momentos, decidida em confronto a essas crticas e vaias foi sempre pela proteo do time. Para mim no um problema se me vaiam, prefiro ser eu o alvo de tudo isso e que deixem as jogadoras tranquilas. Assim, vrias vezes me posicionei dessa maneira pela proteo do time. E, no caso de Jenna Gray e Kika, fui muito claro: ‘essa a minha levantadora, essa a minha lbero, se voc quer ‘mat-las’, no essa a via’”.

Nicola revelou que o Minas muitas vezes teve dificuldades para fazer contrataes devido ao “mercado complicado”, mas rasgou elogios diretoria do clube: “Eu s tenho a agradecer diretoria do Minas porque, por seis temporadas, tive total apoio sempre, meu trabalho nunca esteve em discusso”.

“Sendo sincero, raramente chegamos ao objetivo inicial nas contrataes, mas no por por falta de vontade ou falta de posio da diretoria, porque o mercado muito complicado. Quando vejo criticarem alguma jogadora estrangeira que chega, gente, s vezes ns buscamos 20 jogadoras antes disso, mas ouvimos ‘No’, ‘No, obrigado’, ‘Pode ser na prxima temporada’. um mercado muito complicado, e vai ser sempre mais complicado para os clubes brasileiros”

Nicola Negro, em entrevista exclusiva ao No Ataque

“Assim, s tenho respeito pela diretoria de Minas, pelo que fez e pelo que me colocou disposio, porque eu sei o esforo, mas no que no chega uma jogadora por falta de vontade. Foi sempre um trabalho muito em sincronia e, no momento que faltou isso, tomei a minha deciso de sair, mas tudo com muito respeito”, finalizou.

A sada do Minas

Em fevereiro, Nicola anunciou que deixaria o Minas ao final da temporada. Perguntado sobre o motivo da deciso, o italiano revelou que tomou a deciso devido a uma “deciso tcnica” que o clube tomou e com a qual ele no concordou, e no por ter pensado que seu ciclo no clube j teria acabado

“Foi uma escolha pessoal em funo de uma deciso tcnica que o clube tomou legitimamente, eu no concordei e preferi tomar a deciso de sair. No porque senti que o ciclo acabou, simplesmente porque no houve acordo sobre uma deciso e eu, por carter, preferi sair. Mas foi muito natural, muito tranquila devido ao respeito e ao reconhecimento que tenho pelo clube e que o clube provavelmente tem pelo meu trabalho nesses anos. Foi (uma deciso) muito bem gerida.”

Embora Nicola no tenha especificado, o No Ataque j havia apurado em fevereiro que o motivo da sada foi a deciso do Minas de no renovar com Jenna Gray. A levantadora estadunidense jogadora de confiana do tcnico, que no concordou com a sada e resolveu tambm deixar o projeto.

O treinador contou que, inicialmente, “no sentiu a necessidade de declarar” a deciso de sair do clube da Rua da Bahia, mas mudou de ideia e preferiu deixar clara a situao “quando comearam algumas insinuaes, algumas notcias que desviavam a realidade”.

“O grupo claramente sofreu no primeiro dia, mas no pela minha escolha pessoal, sofreu devido ao sentimento de que estava terminando um ciclo, que foi um ciclo importante, histrico, como toda coisa quando acaba, d um pouco de tristeza. Mas depois reforamos nosso trabalho. Os resultados no dependem disso, so questes tcnicas, contra o Praia jogamos na segunda parte de de semifinal do Sul-Americano muito abaixo (Praia venceu de virada por 3 sets a 2), mas depois mostramos contra Flamengo e Osasco, na Superliga, que o time tem um objetivo muito claro.”

Perguntado se, em algum momento, repensou a sada, Nicola contou: “Repensar no, porque foi uma deciso tomada, mas h claro tristeza porque estou muito bem em BH, amo o Minas, um clube que eu amo e acho que se percebeu isso nessas temporadas. Assim, tristeza pela minha sada, sim. Mas profissionalmente tenho alguns princpios e quero trabalhar com um projeto tcnico claro, um sistema claro. No momento em que faltou algum fator disso, preferi tomar a deciso de terminar a minha experincia no Minas”.

Futuro definido

At o final de maio, eu sou o treinador de Minas e, depois, volto para a Itlia. Eu li que desejei sair do Minas porque recebi uma proposta irrecusvel. Pelo contrrio. A minha deciso de sair do Minas ao final de janeiro me criou um problema, porque o mercado na Europa se move em dezembro e janeiro. Eu me colocando no mercado em fevereiro, a opo era muito limitada, frisou Nicola.

O treinador italiano admitiu o retorno ao Campeonato Italiano e deixou pistas que apontam o destino. Nicola disse que foi procurado por uma equipe que perdeu para o tcnico para o Eczacibasi, da Turquia. Esse o caso do Chieri, clube italiano que deve anunciar a sada de Giulio Cesar Bregoli nas prximas semanas.

Aconteceu que um bom clube italiano perdeu o treinador que assinou com Eczacibasi, da Turquia. Por coincidncia, eu estava h 20 dias no mercado, e o clube, sabendo que estava livre, me buscou. Mas foi tudo depois da minha sada do Minas. Vou voltar para Itlia depois de seis anos muito importantes para mim no Brasil

Nicola Negro, em entrevista exclusiva ao No Ataque

‘Espero voltar um dia’

No aquecimento para a despedida do Brasil e de Belo Horizonte, Nicola se declarou ao pas e disse que espera retornar um dia. Ele deixou claro que, caso volte, o Minas ter prioridade, mas no descarta treinar um outro clube da Superliga no futuro.

“Eu, sem dvidas, amo o Brasil e espero voltar um dia. Sendo sincero, a prioridade seria o Minas, sempre darei a minha prioridade ao Minas. Mas sabemos que a carreira profissional de um atleta, de um treinador, prev tambm que eu possa ir a outro clube. A minha esperana de voltar um dia ao Brasil, porque um pas que amei muito, um vlei que amei muito.”

Nicola Negro, em entrevista exclusiva ao No Ataque

“Alm dos ttulos, o que fica o que ns construmos de verdade. Ns conseguimos construir, comisso tcnica e jogadoras, um modelo de trabalho, uma viso de vlei que felizmente tem dado certo, porque trouxe muitos ttulos. Trocavam jogadoras, mas a jogadora que chegava absorvia de imediato essa cultura, essa mentalidade. Isso a coisa mais importante e que a mais complicada de construir”, finalizou Nicola.

Os ttulos de Nicola pelo Minas

• Trs Superligas (2020/2021, 2021/2022 e 2023/2024)
• Duas Copas Brasil (2021 e 2023)
• Duas Supercopas (2023 e 2024)
• Trs Sul-Americanos (2020, 2022 e 2024)
• Trs Campeonatos Mineiros (2020, 2022 e 2024)