Corrêa do Lago é secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do MRE e alerta para problema climático
Seguidas ondas de calor, como a que fez moradores de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, enfrentarem sensação térmica de 62,3°C no último domingo (17), um recorde na cidade, são um alerta de que a comunidade internacional não pode mais perder tempo no combate ao aquecimento global. A afirmação é do embaixador André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Ele entende que âsentir na peleâ os efeitos é um gatilho para o senso de urgência.
âNós estamos experimentando fisicamente esses desafios. à óbvio que são péssimas notÃcias, mas, por outro lado, eu acho que elas têm um efeito psicológico muito importante para que todos nós comecemos a nos envolver mais em combater a mudança do climaâ, afirmou o negociador-chefe do Brasil para mudança do clima em fóruns internacionais.
O embaixador concedeu entrevista à  Agência Brasil nesta terça-feira (19), no Rio de Janeiro, onde participou de aula inaugural no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Coppe é o maior centro de pós-graduação em engenharia da América Latina.
Ao longo deste e dos próximos anos, Corrêa do Lago conduzirá negociações em ambientes como o G20 (Grupo dos 20, que reúne as principais economias do mundo), Brics+ (agrupamento de paÃses emergentes liderados por Brasil, Rússia, Ãndia, China e Ãfrica do Sul) e Cop (Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).
O negociador-chefe acredita que uma das potencialidades do Brasil é ser um paÃs que, por seu perfil socioeconômico, tem facilidade para figurar como uma ponte entre nações ricas e pobres.
âO Brasil entende todo mundo. O Brasil pode conversar com um paÃs rico, ele entende os desafios da riqueza, e falando com um paÃs pobre, ele entende os desafios da pobreza. O Brasil tem muito a aportar pelas suas experiências positivas, mas também tem muito a aprender por causa das várias coisas que ainda estão por melhorar no Brasilâ.
Entre os pontos a serem melhorados, o embaixador reconhece que o paÃs tem como um calcanhar de Aquiles a questão do desmatamento. Mas considera que o Brasil caminha para resolver o problema e se assemelhar aos demais paÃses quando o assunto são fontes de emissão de gases poluentes.
âO desmatamento é uma caracterÃstica que dá um perfil totalmente único ao Brasil, porque entre os paÃses do G20, nenhum tem um perfil como brasileiro, ou seja, até o começo desse governo, o desmatamento era 50% das nossas emissões [de gases do efeito estufa]. Na medida em que vamos diminuir, como estamos diminuindo as emissões de desmatamento, vamos cada vez mais nos aproximar de um perfil de paÃs normal, ou seja, no qual as principais emissões são, em geral, energia, agricultura e indústriaâ.
Um elemento que posiciona o Brasil na vanguarda dos esforços internacionais para conter mudanças climáticas e conduzir a transição energética é o desenvolvimento, produção e uso de biocombustÃveis. Os biocombustÃveis são fontes de energia provenientes de matérias orgânicas renováveis e menos poluentes que combustÃveis puramente fósseis, como o petróleo, carvão mineral e gás natural. Um grande exemplo de biocombustÃveis de ampla escala nacional é o etanol, feito da cana de açúcar.
âO mundo está se dirigindo para a substituição do petróleo em várias áreas. A experiência que o Brasil acumulou nessa área de bioenergia e biocombustÃveis nos dá uma posição muito especialâ.
No entanto, Corrêa do Lago ressalta que o grande sucesso do Brasil na área resulta também em uma reação adversa de outros paÃses, à s vezes até barreira para a massificação do uso.
âSomos um pouco vÃtimas do nosso êxito, no sentido de que avançamos tanto nessa área que vários paÃses ficam um pouco perplexosâ, revelou. âNós temos tantas vantagens na produção de biocombustÃveis sustentáveis que é visto quase como um ameaça e, na realidade, os biocombustÃveis não são uma solução única, são uma de várias soluções para descarbonização. A gente tem que mostrar que os biocombustÃveis não são, de maneira nenhuma, ameaça para outras tecnologiasâ, disse o embaixador que promete levar a discussão para o G20.
Corrêa do Lago já foi embaixador no Japão (2013-2018), na Ãndia (2018-2023) e, cumulativamente, no Butão (2019-2023). Como diplomata, já atuou em missões junto à União Europeia em Bruxelas (2005-2008), em Buenos Aires (1999-2001), Washington (1996-1999), Praga (1988-1991) e Madri (1986-1988). Na Rio+20, em 2012, foi negociador-chefe do Brasil para mudança do clima.
O embaixador destaca que os biocombustÃveis têm condições de se desenvolverem melhor em paÃses de clima tropical, mais notadamente no hemisfério sul, o que potencializa o chamado Sul Global (grupo de paÃses emergentes). Ele pondera que posições de interesse do Sul Global não devem ser tratadas como adversas aos paÃses desenvolvidos, como europeus e os Estados Unidos, e sim como uma concertação.
âIsso é uma coisa que o Brasil quer muito. à nesse sentido que o Brasil vai atuar no G20â, conclui. Um ponto central nas discussões internacionais, segundo o embaixador brasileiro, é como financiar, ajudar paÃses médios. Ele pontua que há financiamento para os paÃses pobres, no entanto, não são os mais pobres responsáveis pela mudança do clima. Os mais relevantes em emissões de poluentes são os ricos e os médios, como Brasil, Ãndia e Indonésia.
Corrêa do Lago expõe que os ricos têm como se financiar, o que não é uma realidade para os paÃses de média renda. âHá uma conjunção perversa que não favorece os paÃses médiosâ.
A Coppe/UFRJ é dirigida por Suzana Kahn. Ela faz parte do grupo de cientistas que formam o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), vencedor do prêmio Nobel da Paz em 2007. Criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente), o IPCC funciona como uma representação do conhecimento cientÃfico nos debates sobre meio ambiente.
Kahn defende a interconexão entre conhecimentos como forma de a academia e a ciência serem ferramentas eficazes na busca de soluções para problemas como o aquecimento global. âA gente tem a obrigação, como instituto de pós-graduação, de formar nossos alunos já com essa nova visão de mundo que vai muito além das fronteiras tradicionais da engenharia. Atualmente, para solucionar os problemas que surgem, os desafios atuais e das próximas décadas, o olhar tem que ser muito mais abrangente, mais interdisciplinar, outros saberes que são importantesâ, observa a diretora. (Agência Brasil)
Confira a matéria completa em: zug.net.br