âO Dublêâ é mais um filme a apontar as suas lentes para uma profissão que ascendeu na era dos filmes de muita ação. A figura do dublê como protagonista â que também chamou a atenção de Quentin Tarantino em âEra uma Vez em Hollywoodâ â é bastante sintomática de um ciclo exitoso de pouco mais de duas décadas e agora em crise, anunciada pelo desgaste das produções de super-heróis.
Quanto maior é a participação de um dublê na realização, menor é a presença do ator em cena. E, por tabela, menor é o sentimento de pertencimento deste com a obra, como se dividisse os créditos com alguém que apenas finge ser ele â um fake, por assim dizer. Não por acaso, o gênero acabou perdendo de vista sua essência, tornando-se desinteressante aos olhos do espectador.
Essa dualidade â o ator, que não aparece em sua totalidade, e o dublê, que precisa se esconder â é o tema apropriado por Tarantino e também dessa produção assinada por David Leitch, em cartaz a partir de hoje. Desde o primeiro minuto de filme, fica claro que o personagem-tÃtulo é muito mais interessante â tanto do ponto de vista artÃstico quanto pessoal â que a estrela que substitui em cenas de ação.
Há, claro, um desconforto aÃ, ressaltado pelo fato de o dublê interpretado por Ryan Gosling viver um romance açucarado com a câmera (Emily Blunt). O ponto de partida é satÃrico, já que um âstunt manâ ser o chamariz escancara o que está por trás desse tipo de produção, calcada em efeitos especiais. Não faltam piadas sobre a falta de talento da estrela, camuflada por explosões e histórias malucas.
Prova desse absurdo é o tema do filme dentro do filme, uma mistura de faroeste com ficção cientÃfica recheada de frases sem sentido. Enquanto âO Dublêâ permanece nesse campo zombeteiro, a narrativa funciona. O que põe tudo a perder é quando o roteiro tenta ser tão exagerado quanto o universo com que brinca, com cenas intermináveis de ação e uma trama policial mal amarrada, além de um humor descalibrado.
Para os cinéfilos, há um sem-número de menções a outros filmes de ação, em especial uma cena inteira de âMiami Viceâ, de Michael Mann. Leitch, ele mesmo um ex-dublê, faz uma descarada carta de amor dirigida a esses profissionais, mas numa dose tão cavalar que acaba contribuindo para a entressafra do gênero.
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